terça-feira, 2 de outubro de 2007

Javaé


# Nome

# Língua
# Localização
# População
# História do contato
# Organização social
# Mulheres e homens nos mitos e nos ritos




Nome
Os Javaé são um dos três subgrupos em que se dividem os índios Karajá. Os outros dois são os Karajá propriamente ditos e os Xambioá. A palavra Javaé, provavelmente de origem tupi-guarani, não pertence à língua que eles falam. Inÿ, a autodenominação geral dos três subgrupos, quer dizer "gente", "ser humano", mas os Javaé e os Karajá
também autodenominam-se Itya Mahãdu, "o Povo do Meio".

Língua
Os três subgrupos são culturalmente semelhantes, embora haja algumas diferenças, e falam a língua Karajá, com algumas variações dialetais, pertencente ao tronco linguístico Macro-Jê. Ela é bem diferente de qualquer outra língua do mesmo tronco. A língua nativa ainda é o principal meio de comunicação entre os Javaé. Uma característica notável entre os Karajá como um todo é a diferenciação entre a fala das mulheres e crianças e a fala dos homens, feita através de alguns fonemas e expressões específicas para cada gênero, que é mais acentuada entre os Karajá propriamente ditos e expressa a forte divisão entre os papéis masculino e feminino. No que se refere à relação com a sociedade envolvente, todos os Javaé falam e entendem um mínimo de português.

Localização

Desde tempos imemoriais, os Karajá como um todo habitam o vale do rio Araguaia, até pouco tempo atrás considerado um dos rios mais piscosos do mundo. É o principal afluente do rio Tocantins e nasce na serra dos Caiapós, situada na divisa entre Goiás e Mato Grosso do Sul. Com seus 2.000 km de extensão, o Araguaia forma em seu médio curso a maior ilha fluvial do mundo, a de Bananal, no estado do Tocantins, junto à fronteira de Mato Grosso.

Dona de uma biodiversidade única, a ilha é repleta de lagos e rios, tem cerca de 2.000.000 de hectares e é considerada pelos Karajá e Javaé como o lugar mítico de onde surgiram. Pode-se dizer que o rio Araguaia ocupa uma zona de transição entre as áreas de cerrado do planalto Central e a floresta Amazônica, representada pelas matas de grande porte que margeiam o rio, apesar do desmatamento crescente. A ilha do Bananal e as regiões inundáveis ao seu redor caracterizam-se pela vegetação de cerrado, em sua maior parte, e pelas matas-galeria, de menor porte, que margeiam os afluentes do Araguaia e do Javaés (braço do Araguaia que faz o lado oriental da ilha de Bananal).

A principal característica climática da região é a alternância bem marcada entre a época das chuvas e cheias (de outubro a maio), quando o rio Araguaia e seus afluentes saem de seu leito e inundam a maior parte da ilha e vastas áreas ao seu redor, e a época da ausência de chuvas e esvaziamento gradativo dos rios (de junho a setembro). A cidade de Gurupi, no estado de Tocantins, é o maior centro urbano da região próxima aos Javaé, situada a 120 km de Canoanã, sua maior aldeia.

Os Karajá propriamente ditos sempre habitaram as margens do rio Araguaia, seja do lado oeste da ilha do Bananal ou no alto curso do rio, mais recentemente; os Xambioá ou "Karajá do Norte" associam-se ao baixo curso do rio, ou seja, ao norte do estado de Tocantins; os Javaé, por sua vez, segundo a tradição oral nativa e os primeiros registros históricos por escrito, costumavam viver no interior da iha do Bananal e ao longo do rio Javaés e seus afluentes até o início do século 20.

No que se refere à situação legal da terra indígena, em 1959, foi criado o Parque Nacional do Araguaia, destinado à preservação ambiental e correspondente à totalidade da Ilha do Bananal, com 2.000.000 ha. Em 1971, um novo decreto criou o Parque Indígena do Araguaia, que passou a dividir a área total da ilha com o Parque Nacional. Após algumas retificações, em 1980, o Decreto n° 84.844 alterou os limites dos parques e a área atual do Parque Indígena passou a ter 1.395.000 ha.

O novo decreto deixou de fora da terra indígena a aldeia Boto Velho, dos índios Javaé. Em razão disso, a FUNAI interditou provisoriamente uma área de 145.080 ha ao redor da aldeia Javaé, em 1985, dentro da área do Parque Nacional do Araguaia, agora administrado pelo IBAMA, enquanto não se chega a uma resolução para o problema da aldeia Boto Velho. A área do Parque Indígena do Araguaia, sem a aldeia Boto Velho, começou a ser demarcada pela FUNAI no início de 1998, foi homologada em abril do mesmo ano e registrada em seguida. Tem 1.358.499 ha de superfície e 943 km de perímetro.

População
Os Javaé eram 650 pessoas em 1939, segundo o antropólogo americano William Lipkind, época que coincide com o início de um contato mais contínuo dos Javaé com a sociedade envolvente. Quarenta anos depois, em 1979, o antropólogo brasileiro André Toral contou apenas 350 pessoas, um número que mostra a drástica redução populacional ocorrida após o contato. Atualmente os Javaé têm uma população de 850 pessoas (FUNAI, 1999).


História do contato

A história oral Javaé menciona uma longa série de conflitos e guerras com os Xavante e Kayapó, seus tradicionais vizinhos, que não mais ocorrem há várias décadas; com os Avá-Canoeiro, que, expulsos de seu território de origem, tornaram-se inimigos dos Javaé mais recentemente, ao perambular pela região do médio Araguaia; e ainda com vários outros grupos já extintos e sem identificação na língua portuguesa. Os Javaé também falam de casamentos interétnicos e intercâmbios culturais no passado, principalmente com os Tapirapé.

No Brasil colonial, várias levas de bandeirantes chegaram à região do rio Araguaia à procura de índios para escravizar. É de 1775 o primeiro relato escrito de alguém que esteve numa aldeia Karajá, o alferes José Pinto da Fonseca, dirigido ao "General de Goyazes". O autor menciona a bandeira do paulista Pires de Campos, que cerca de 25 anos antes teria exterminado os habitantes da principal aldeia Karajá. Contudo, o alferes estabeleceu contatos amistosos, visitou algumas aldeias Karajá e nelas encontrou alguns líderes Javaé, para quem também leu a carta com intenções de amizade enviada pelo General de Goyazes. Concluiu que na ilha existiam seis aldeias Karajá e três Javaé, num total de 9.000 pessoas.

Tanto a carta do alferes como outros documentos posteriores fazem referência a uma bandeira do ano anterior, quando o Ouvidor Antônio J. C. d'Almeida teria fundado aldeias com índios Javaé e Karajá com o objetivo de facilitar a navegação e povoar a ilha do Bananal. Cunha Mattos revela que nessa época, 1774, os navegantes estavam fugindo de ataques dos Karajá no Araguaia, preferindo a descida pelo braço menor, o rio Javaés. Com o estabelecimento de contatos amistosos com os Karajá, o braço menor deixou então de ser usado como canal opcional de navegação, caindo no esquecimento juntamente com os Javaé.

A ameaça mais recente à sobrevivência física e cultural dos Karajá como um todo é a construção da hidrovia Araguaia-Tocantins pelo governo federal, que prevê o afundamento do leito do rio Araguaia em vários trechos, redução no nível de água de seus afluentes, explosão de bombas dentro do rio, desmoronamento dos barrancos e a navegação diária de navios de grande porte.

Um fato notável, apontado por antropólogos que trabalharam com os Karajá, é que, apesar dos problemas sérios e ameaças advindas do contato com a sociedade nacional, os Karajá e Javaé têm mostrado uma surpreendente capacidade para lidar com essas novidades mantendo aspectos fundamentais da cultura tradicional, entendida aqui como um conjunto de pensamentos e práticas flexíveis capazes de dialogar com o novo sem desfigurar-se. Justamente nas aldeias onde a pressão do contato é maior, como Santa Izabel, dos Karajá, e Canoanã, dos Javaé, é que têm surgido os mais importantes líderes no que diz respeito à relação com a sociedade nacional.





ORGANIZAÇÃO SOCIAL
Antes do contato, e atualmente ainda em pequenas aldeias Javaé, os moradores de uma aldeia eram basicamente grandes famílias extensas organizadas em torno do fundador da aldeia (hawa wedu ou "dono da aldeia/lugar") e de seus descendentes, os quais tinham o direito inquestionável de permanecer no lugar, expulsar habitantes indesejáveis e decidir se aceitavam ou não novos moradores.

A liderança local era dividida apenas com os chefes rituais, como o ixÿtyby ("pai do povo") ou o ixÿwedu ("dono do povo"), condutores de rituais; e o iòlò, título de honra que o/a primogênito/a herda do pai ou mãe que for iòlò e que transmite uma série de direitos e prerrogativas. Cabia aos iòlò a tarefa básica de interferir nos conflitos entre famílias, sendo sua palavra respeitada por toda a comunidade. Após o contato, surgiu um novo tipo de líder, o especialista nas relações com os não-índios, que deve dominar a língua portuguesa e entender os mecanismos de funcionamento das várias esferas da sociedade nacional. Em muitos casos, o novo tipo de líder é um descendente de iòlò ou do hawa wedu.

A maioria das aldeias Javaé ainda mantém a disposição espacial tradicional, baseada em uma oposição assimétrica entre uma ou mais fileiras de casas ao longo do rio, associadas ao mundo feminino e das famílias extensas, e a casa dos homens, associada ao mundo masculino e ritual. Embora hoje em dia muitos jovens casais prefiram morar em casas menores e separadas, a regra da residência uxorilocal e o "pagamento pela esposa" (tykòwy) ainda formam a base da organização social.

Quando se casa, o homem tem que viver com a esposa, quase na condição de estranho, na casa de seus sogros, submetendo-se à autoridade destes últimos e tendo que pagar pela esposa aos sogros e cunhados por um longo período da vida, pescando, caçando, plantando etc. Os próprios Javaé chegam a dizer que toda a atividade econômica da aldeia existe em função do pagamento pela esposa. A cerimônia tradicional do casamento arranjado pelas avós, praticamente inexistente hoje, dramatizava a hesitação masculina em contrair matrimônio, dado o caráter de desafio que este adquire para o homem.


Mulheres e homens nos mitos e nos ritos

Segundo os mitos Javaé, há muito tempo atrás os seres humanos moravam "abaixo do leito dos rios" (berahatxi), um lugar mágico e fechado, úmido, onde as pessoas não morriam nem trabalhavam, o tempo não passava, a comida era abundante, a reprodução era feita magicamente, sem contatos sexuais, os seres humanos não casavam entre si. Os homens viviam em coletividade, mas não em sociedade, eram seres humanos não sociais.

Em um determinado momento, algumas dessas pessoas encontraram uma saída para o mundo em que vivemos agora e, atraídas principalmente pelo fascínio dos espaços amplos e abertos e pelas comidas novas que encontraram aqui, decidiram sair do fundo dos rios e habitar esse novo lugar, o ahana obira. Aqui descobriram que o mundo não era mais encantado: o tempo passava, as pessoas morriam, era preciso trabalhar para comer e, principalmente, casar-se e manter relações sexuais para garantir a reprodução do grupo.

A única saída era viver em sociedade, através da aliança entre famílias, surgindo então a uxorilocalidade e o pagamento pela esposa, práticas desconhecidas anteriormente. Os seres humanos que ficaram no fundo dos rios transformaram-se nos Aruanãs, seres humanos mascarados e mágicos que lá vivem até os dias de hoje.

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